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 O contador, a noite e o balaio 
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Patrick Chamoiseau 
 
Posfácio de Michel Mingote 
 232 p. - 14 x 21 cm 
ISBN 978-65-5525-255-2 
2025
 - 1ª edição
 Subvertendo as fronteiras entre ensaio e literatura, Patrick Chamoiseau se interroga em O contador, a noite e o balaio sobre a escrita, a fala e a criação. Partindo da “oralitura”, central na poética antilhana, o autor se volta para o velho negro escravizado, nas Antilhas do século XVII, que à noite se metamorfoseia em “mestre da palavra”. É o contador crioulo, pai fundador da literatura antilhana, que com sua palavra formula uma resistência improvável à colonização. Momento criativo e criador, a palavra crioula inaugura um sistema de forças que se opõe à violência nas plantações. 
Por que o balaio e a fala que surge apenas à noite? Circulando por mistérios e não ditos, o autor questiona o trabalho do escritor e visita a intimidade de sua memória com reflexões permeadas de poesia, pois se valem da língua-instrumento “para perceber além da ‘realidade visível’”.
Apresentação de sua estética literária e porta de entrada para sua obra romanesca, o ensaio aborda temas relacionados à dança, à música e a diversos tipos de arte. Passeando por suas filiações literárias, como Aimé Césaire e Édouard Glissant, o autor nos coloca diante dos principais desafios da literatura contemporânea, destrinchando seus pontos de contato com a oralidade dos sábios contadores.
Francês nascido na Martinica (1953), vencedor do Prêmio Goncourt com o romance Texaco (1992), Patrick Chamoiseau é uma das vozes mais expressivas da literatura caribenha, com uma obra vasta que se inscreve no cruzamento das línguas francesa e crioula.
	
 
	
Texto orelha
	Pensemos, por um átimo de segundo, na palavra “orelhas”, que designa, em termos técnicos, este texto que ora se tece, como a figuração material, gráfica, verbal do desejo de escutar efetivamente um escritor que “inventa para si uma via que nunca termina, uma voz que sempre busca seu canto”. Essas palavras entre aspas são do próprio Patrick Chamoiseau, numa tentativa de definir o papel do escritor (e de todo artista, segundo ele) que, por fazer o que faz, “permanece desejante”.  Note-se a sutileza: permanecer desejante é mais do que tornar-se desejante. E não é o mesmo que, por exemplo, mostrar-se “desejoso”. Desejante: do encontro com um olhar leitor que seja também “escutante”, porquanto aberto às microestruturas verbais (as harmonias fônicas, as cadências, a imageria), e ao que é, em meio à teia de relações espaçotemporais que organiza o texto literário, a presença viva do silêncio — o qual, quando modelado e modulado por mãos hábeis, como as de Chamoiseau, resulta em uma eficiente estratégia de ampliação da escuta. Desejante, também: da hipótese de poder resistir à verdadeira prova de vida que é o “Escrever”, que, diferentemente do mero “escrever”, diz respeito à antiquíssima e sempre nova tarefa de “apoiar a testa contra a rocha dura de uma língua” e “de uma certa maneira, se não transpassá-la, ‘problematizá-la’”. Desejante, ainda: da possibilidade de, dada a “efervescência relacional das línguas, as velhas divisões do oral e do escrito, do poema formal, da narrativa, do romance, do conto, do canto, do teatro, do ensaio” se dissiparem “em prol de acontecimentos de linguagem, verdadeiros organismos narrativos que tentam, se não contar, ao menos ‘capturar’ configurações de forças: ‘estados-do-mundo’ relacionados a ‘situações existenciais’”. O gesto político-poético que é tentar ampliar o “espaço literário”, para recorrer ao título do importantíssimo ensaio de Maurice Blanchot, implica a refundação de tal espaço, e não só o incessante — e solitário — forcejar de seus limites. O Escrever, aí (leia-se: o mundo e seus estados e todas as forças que o animam), para quem lida com a língua-arma do colonizador, “é tanto ter algo a dizer como buscar o que temos a dizer”, anota o escritor. Nele, a via confunde-se com a voz, que anseia, todo o tempo, por abrir sendas na página — a escrita, para Chamoiseau, é um “caminho sem caminho” —, com o fim de firmar e afirmar sua diferença, enquanto marca visível e audível de si mesma e de outras inumeráveis vozes para, dessa forma, tornar-se e permanecer desejante. Impressionante é palavra que define bem a escrita-pensamento de Patrick Chamoiseau, artista do verbo preciso, da memória imaginante, desbordante, propensa a sensíveis e, por vezes, vertiginosas perscrutações daquilo a que damos o nome de linguagem: “Sem me dar conta, com essa ânsia de escrever, eu caminhava lentamente em mim mesmo e lentamente na matéria daquilo que, ao meu redor, repercutia o mundo”. Pensador e vivedor de uma literatura que se pretende, também, “oralitura”, Chamoiseau nos convida, com este esplêndido O contador, a noite e o balaio, a adentrar uma roda noturna que faz girar, junto com a gente que dela toma parte, os possíveis — porque imagináveis — das línguas e do mundo. Ricardo Aleixo
	
 
	
		Sobre o autor 
		
Patrick Chamoiseau, nascido em 1953 em Fort-de-France, Martinica, é uma das vozes mais importantes da literatura caribenha. Graduado em Direito e Economia, exerceu a função de educador social na França e depois na Martinica. Interessado por etnografia, ele se debruça sobre a formas culturais em vias de desaparecimento de sua ilha natal, mas também sobre o dinamismo de sua língua materna, o crioulo. Em 1986, publica seu primeiro romance, Chronique des sept misères, vencedor dos prêmios Loys Masson e Kléber-Haedens, e dois anos depois, Solibo Magnifique. Em 1989, juntamente com Jean Bernabé e Raphaël Confiant, escreve o influente manifesto Éloge de la créolité, inspirado nas teorias da negritude de Sédar Senghor e Aimé Césaire, em que reivindica uma identidade caribenha pautada na mestiçagem cultural. Desde então, assinou diversos ensaios, notadamente Lettres créoles (1999), com Raphaël Confiant, e L’intraitable beauté du monde (2009), com Édouard Glissant. Em 1992 recebe o prestigioso prêmio Goncourt pelo romance Texaco, nome de um bairro negro em Fort-de-France. Mais recentemente lançou Contes des sages créoles (2018), os ensaios de Le conteur, la nuit et le panier (2021), o manifesto poético Frères migrants (2017) e o atualíssimo Que peut Littérature quand elle ne peut? (2025), em que faz uma aposta no poder da literatura em acolher a alteridade e construir relações num mundo cada vez mais polarizado e opressor.  
 
	
	Sobre o tradutor 
    
Henrique Provinzano Amaral, nascido em Ribeirão Preto, SP, em 1993, é tradutor, pesquisador e poeta. Doutor em Letras Estrangeiras e Tradução pela Universidade de São Paulo (USP), com estágio doutoral na Université Sorbonne-Paris-Nord, atua como professor de Língua, Literatura e Tradução em Francês na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). É autor dos livros de poemas Quatro cantos (Patuá, 2020) e As lágrimas das aves migratórias (no prelo). Como tradutor e pesquisador, dedica-se sobretudo às literaturas caribenhas francófonas, tendo publicado a antologia Estilhaços: antologia de poesia haitiana contemporânea (Selo Demônio Negro, 2020), além de traduções de Édouard Glissant, Jan Mapou, Jean D’Amérique, Souleymane Bachir Diagne e Sam Bourcier, entre outros.  
 
	
	
Veja também
 
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