Zoo, ou Cartas não de amor
| |
Viktor Chklóvski
Introdução de Richard Sheldon
Texto em apêndice de Letícia Mei
192 p. - 14 x 21 cm
ISBN 978-65-5525-250-7
2025
- 1ª edição
Exilado em Berlim nos anos 1920 junto com muitos outros artistas e escritores russos, Viktor Chklóvski, um dos principais teóricos do Formalismo Russo, apaixonou-se pela jovem escritora Elsa Triolet e passou a lhe enviar cartas diariamente. Ela aceitou as cartas, impondo uma única condição: que elas não falassem de amor. Zoo, ou Cartas não de amor é o genial romance epistolar resultante dessa correspondência.
Mas é também muito mais que isso. Num verdadeiro surto criativo, Chklóvski recorre aos mais variados assuntos para lidar com a proibição: a vida no exílio, a guerra, as diferenças entre Moscou e Berlim, a transformação da vida pelas máquinas, retratos de figuras como Khliébnikov, Chagall e Pasternak. Recorre também a diversos gêneros literários: prosa poética, ensaio, fábula, memória... Não obstante essa miríade de temas e formas, a paixão reprimida se insinua a todo momento por entre as linhas desta prosa ágil, divertida e emocionada.
Inédito no Brasil, Zoo guarda estreita semelhança com o poema Sobre isto, de Maiakóvski: os dois livros falam de amores não correspondidos, os autores eram amigos, as duas “musas” eram irmãs e as obras foram publicadas no mesmo ano, 1923. Esta criteriosa tradução de Vadim Nikitin se baseia na última edição revista pelo autor, de 1966, e inclui uma introdução do crítico e tradutor Richard Sheldon e um perfil biográfico de Elsa Triolet.
Texto orelha
“Quero ter um filho seu”, escreve Viktor Chklósvki na primeira carta que enviou a Elsa Triolet. Fruto desse entrelaçamento epistolar, Zoo, ou Cartas não de amor é precisamente esse “filho” materializado numa prosa extremamente inovadora para a época, e mesmo para os dias atuais. Um dos fundadores do Formalismo Russo — movimento que revolucionou a crítica literária no início do século XX — Viktor Chklóvski (1893-1984) foi também prosador, jornalista, teórico do cinema, roteirista e ator. No âmbito da Revolução Russa, em fevereiro de 1917, apoiou o governo provisório e mais tarde se aliou ao Partido Socialista Revolucionário contra os bolcheviques, decisão que o levou, em 1922, ao exílio em Berlim, reduto de grande parte dos 3 milhões de russos emigrados desde a eclosão da Primeira Guerra. Publicada nesse contexto em 1923, esta obra estreita a tênue fronteira entre a vida e a arte. No “cativeiro” amoroso e ideológico, Chklóvski compõe uma espécie de prosa formalista sobre a dor do exílio, a decadência da Europa, a esperança na nova Rússia, as paisagens de Berlim, faz crítica e teoria literária — e, apesar da interdição imposta pela musa e pela conjuntura literária da época, também fala sobre o amor. Neste mosaico de retratos, circulam Andrei Biéli, Marc Chagall, Iliá Ehrenburg, Boris Pasternak e outros artistas que animaram a cultura da capital literária da diáspora russa, a essa altura em dissolução, afinal o coração da emigração já não bate, é um “automóvel morto movido a baterias”, que vagueia “sem barulho nem esperança” (vigésima sexta carta). Zoo, ou Cartas não de amor foi dedicado a Elsa Triolet — irmã de Lília Brik e amiga próxima de Maiakóvski —, que anos depois se casaria com o poeta francês Louis Aragon e se tornaria uma premiada escritora na França. A propósito, em Zoo..., o nome russo da amada, Ália, poderia ser lido no significado francês de alias, de mesma pronúncia, ou seja, como um pseudônimo, uma vez que a personagem representa os valores europeus: “você não pode voltar à Rússia, você ama a França” (vigésima quarta carta). O romance foi composto com base nas cartas trocadas pelos dois, dentre elas sete de Elsa, cujos originais provavelmente foram destruídos pela segunda esposa de Chklóvski após a sua morte. Ao ler o manuscrito, Maksim Górki elogiou as cartas de Elsa e iniciou uma correspondência incentivando-a a escrever, o que a levou, em 1925, a estrear uma carreira literária de sucesso. Chklóvski constrói aqui uma prosa radical, experiência viva em que aplicou os conceitos de “literatura como procedimento” e “estranhamento”, centrais para o Formalismo Russo. Trata-se de um romance epistolar que renova a própria tradição do gênero: o subtítulo “Terceira Heloísa”, anagrama de Elsa Triolet, remete a Abelardo e Heloísa e ao romance epistolar Júlia ou A nova Heloísa, de Rousseau. O tom hiperbólico, o eu-lírico exacerbado e o amor não correspondido também o aproximam do poema contemporâneo de Maiakóvski Sobre isto. Em carta de 14 de outubro de 1945, ele escreve a Elsa: “Tentei construir minha vida sem você e fracassei. Durante vinte anos escrevi sobre a separação. [...] Ficaremos juntos, mas em literaturas diferentes”. E é essa união perene que o leitor encontra agora nas páginas de Zoo.
Letícia Mei
Sobre o autor
Viktor Boríssovitch Chklóvski nasceu em 1893 em São Petersburgo. Em 1912 ingressou na Faculdade de História e Filologia, mas, com a eclosão da guerra, juntou-se ao exército como voluntário e passou a servir como instrutor na divisão de carros blindados. Nesse período conturbado formou a OPOIAZ, grupo pioneiro na análise formal da literatura, e publicou textos seminais como "A arte como procedimento". Teve participação ativa na Revolução de Fevereiro e no recém-criado soviete de Petrogrado, e viajou ao front ucraniano e à Pérsia como comissário de guerra do Governo Provisório. Após a Revolução de Outubro, teve envolvimento na conspiração antibolchevique encabeçada pelo Partido Socialista Revolucionário e teve que refugiar-se em Sarátov, onde dedicou-se aos ensaios que comporiam seu livro Sobre a teoria da prosa, publicado em 1925. Em 1919 volta a Petrogrado e leciona no Instituto de História da Arte e nos estúdios do projeto Literatura Mundial, liderado por Górki, além de compilar suas memórias da guerra e da revolução que vão integrar o livro Viagem sentimental (1923). Após um breve exílio em Berlim, torna-se um dos líderes do grupo que editava o famoso periódico LEF. Nas décadas que se seguiram continuou a escrever crítica e teoria literária, trabalhando também como editor de filmes e roteirista para o Comitê Estatal de Cinematografia, além de publicar os livros Sobre Maiakovski (1940) e Lev Tolstói (1963). Morreu em Moscou, em 1984, aos 91 anos de idade.
Sobre o tradutor
Vadim Nikitin nasceu em Moscou, em 1972, e vive em São Paulo desde 1976. Formado em Letras pela FFLCH-USP, é tradutor, dramaturgo, diretor, ator e letrista. Traduziu Duas narrativas fantásticas: A dócil e O sonho de um homem ridículo, de Fiódor Dostoiévski (Editora 34, 2003), O homem sentado no corredor e A doença da morte, de Marguerite Duras (Cosac Naify, 2007), Do amor e O idílio da Carvoeirinha, de Federico García Lorca (em Os títeres de porrete e outras peças, SM, 2007) e Histórias de bichos, de Lev Tolstói (SM, 2013). Para a trupe de Elcio Nogueira Seixas e Renato Borghi, traduziu Tio Vánia (1996) e O jardim das cerejeiras (2000), de Tchekhov, e Tímon de Atenas (2006), de Shakespeare. Para a Cia. Livre, traduziu Um bonde chamado desejo (dir. Cibele Forjaz, 2001), de Tennessee Williams (Peixoto Neto, 2004) e, entre 2008 e 2013, colaborou nas dramaturgias de O idiota, de Dostoiévski (dir. Cibele Forjaz), e de O duelo, de Tchekhov (dir. Georgette Fadel). Com Guilherme Wisnik, fez a curadoria de Na sala da memória, palestras multimídia de Ferreira Gullar e Paulo Lins (Sesc Pinheiros, São Paulo, 2003) e, com Cacá Machado e José Miguel Wisnik, das exposições Machado de Assis, mas este capítulo não é sério e Oswald de Andrade: o culpado de tudo (Museu da Língua Portuguesa, 2008-2011). Foi dramaturgo do espetáculo Um jeito de corpo, do Balé da Cidade de São Paulo, baseado na obra de Caetano Veloso (coreografia de Morena Nascimento, 2018). Atuou no Teatro Oficina de 1996 a 2005 (As Bacantes, de Eurípides, Ela, de Jean Genet, Ham-Let, de Shakespeare, e Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues, dir. Zé Celso Martinez Corrêa), em As três irmãs, de Tchekhov (dir. Bia Lessa, 1998) e em Toda nudez será castigada, de Nelson Rodrigues (Cia. Livre, dir. Cibele Forjaz, 1999). Além de dirigir Os sete gatinhos (2001), de Nelson Rodrigues, escreveu e dirigiu, entre 1997 e 2021, as peças Canção de cisne, variação sobre Tchekhov, 2497 rublos e meio, série de lazzi dostoievskianos, A voz que resta, monólogo para Gustavo Machado (que em 2025 virou longa-metragem, dir. Gustavo Machado e Roberta Ribas) e o monólogo-média-metragem Stavrôguin, eu mesmo, adaptação de passagens de Os demônios, de Dostoiévski, para Luah Guimarãez.
Veja também
|