Boris Schnaiderman
Posfácio de Miriam Chnaiderman
288 p. - 14 x 21 cm
ISBN 978-65-5525-245-3
2025
- 5ª edição revista pelo autor
Mestre de gerações de pesquisadores e tradutores de literatura russa no Brasil, Boris Schnaiderman, na juventude, tomou parte ativa na campanha da Força Expedicionária Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial, lutando na Itália contra as forças do nazifascismo. O relato dessa experiência que o marcaria pelo resto da vida está em Guerra em surdina, publicado pela primeira vez em 1964.
Combinando narração em primeira e terceira pessoa, passagens de diário e fluxos de consciência, este livro incomum detalha como poucos a crise de valores provocada num indivíduo pela chamada “névoa da guerra”. Ao mesmo tempo, conta com objetividade o percurso do primeiro escalão da FEB, desde seu desembarque em Nápoles em 1944 até a euforia da vitória no norte da Itália no ano seguinte. As hierarquias do exército, o convívio com os norte-americanos, o desamparo da população italiana, os abismos de classe, de raça, de gênero e, sobretudo, o estado de ânimo dos pracinhas — seja no início da campanha, seja em momentos cruciais da guerra, como na árdua tomada de Monte Castelo —, tudo isso é descrito por um olhar sensível e questionador.
Esta edição incorpora a última revisão feita em vida pelo autor e traz fotos inéditas da guerra, de sua coleção pessoal, e um posfácio da psicanalista e cineasta Miriam Chnaiderman, que comenta o processo de escrita de Guerra em surdina enquanto faz um retrato lúcido e afetuoso do homem e do intelectual Boris Schnaiderman.
Texto orelha
Boris Schnaiderman costumava dizer que só os textos vivos e envolventes valem a pena. Quando não é possível criá-los, melhor ficar calado. Nosso maior tradutor de literatura russa passou décadas seguindo à risca tal programa, que desemboca neste livro. O esforço o coloca decididamente na chave dos “elefantes literários”, como se referiu a si mesmo o seu conterrâneo Isaac Bábel, cujo Cavalaria vermelha é, aliás, um dos modelos para Guerra em surdina. O longo parto literário teve início nos campos de batalha entre a Toscana e a Emília-Romagna, nos últimos meses de 1944. “Enfim, está começando”, diz o narrador do livro diante das primeiras canhonadas, antes mesmo de subir a pirambeira dos Apeninos. E é o que deve ter dito com os botões da farda o jovem sargento Boris. Aos 27 anos, ele lançou nas cadernetas de campanha um turbilhão de experiências vividas e experimentações literárias. De início em primeira pessoa e com um tom muito mais sentimental. Raiavam um patético que, na maturidade, o escritor-tradutor domou com rédea curta. Os rascunhos do romance vinham na esteira de algumas traduções preparadas com pseudônimo, antes que o seu autor zarpasse para Nápoles no primeiro translado de pracinhas. Vinham, sobretudo, a reboque de um desejo, nutrido desde cedo, de fazer literatura, preferencialmente como poeta ou contista. Entrevê-se nas primeiras andanças de Boris um intelectual de ética exigente e um escritor bifronte: realista até a medula e dedicado romanticamente a ideais elevados. Já o Boris que termina o livro, publicado em 1964, é um intelectual quarentão, fundador do curso de russo da Universidade de São Paulo, autor de boa centena de artigos e de um conjunto, para lá de respeitável, de traduções em prosa. No meio do caminho, muitas leituras, sobretudo do Graciliano Ramos das Memórias do cárcere. Enfim, vinte anos transcorridos entre o cálculo e o tiro — não por acaso, essa era a sua atribuição na FEB: calcular os disparos endereçados ao inimigo, mas, para horror do calculista, causadores de tormentos na população civil. O Brasil, naturalmente, havia mudado bastante também: o embrião do livro é contemporâneo ao fim da ditadura varguista. A obra publicada coincide com a entrada em outra ditadura. A forma final do texto espelha essas muitas transformações do homem e das suas circunstâncias, e condensa elementos que se tornaram marcas da escrita de Boris: o apreço pelo mundo empírico; o amor pela Itália; o contraste entre o descartável e o duradouro, entre a retórica palavrosa e a concisão incisiva do moderno. Ali estão, em surdina, as colagens, os caleidoscópios, os fragmentos da vanguarda soviética que Boris brilhantemente divulgou; materiais heteróclitos cosidos por aquela “veemência tão russa e tão ligada à vivência histórica” que ele identificava num Górki, a capacidade de “pinçar o que há de humano”, de “perceber o pulsar do pessoal e do inconfundível” (cito um mosaico de dizeres de Boris). Instado a classificar Guerra em surdina, dizia à la Borges que era uma “ficção”. Guerra em surdina foi o laboratório modernista de Boris Schnaiderman. Dele o professor emerge mais jovem e arrojado do que quando entrou, misturando gêneros e modalidades narrativas. O texto chegou a ser parcialmente publicado no formato de contos avulsos e gerou alguns atritos amistosos com leitores excelentes. Paulo Rónai, por exemplo, embatucou com o que julgava ser um caráter híbrido do texto — “mas era esse mesmo o objetivo!”, dizia Boris com um sorriso maroto. Bruno Barretto Gomide
Sobre o autor
Boris Schnaiderman, considerado um dos maiores intelectuais e tradutores do russo em nosso país, nasceu em Úman, na Ucrânia, em 1917. Em 1925, aos oito anos de idade, veio com os pais para o Brasil, formando-se depois na Escola Nacional de Agronomia do Rio de Janeiro. Naturalizou-se brasileiro nos anos 1940, tendo se alistado para lutar na Segunda Guerra Mundial como sargento da FEB. Começou a fazer traduções de autores russos em 1944 e a colaborar na imprensa brasileira a partir de 1957, tendo publicado desde então diversos livros sobre cultura e literatura, além de versões para obras de Púchkin, Dostoiévski, Tolstói, Tchekhov, Górki, Maiakóvski e outros. Mesmo sem ter estudado formalmente Letras, foi escolhido para iniciar o curso de Língua e Literatura Russa da Universidade de São Paulo em 1960, instituição onde permaneceu até sua aposentadoria, em 1979, e pela qual recebeu o título de Professor Emérito em 2001. Ganhou em 2003 o Prêmio de Tradução da Academia Brasileira de Letras, e em 2007 foi agraciado pelo governo da Rússia com a Medalha Púchkin, em reconhecimento por sua contribuição na divulgação da cultura russa no exterior. Faleceu em São Paulo em 2016, aos 99 anos de idade.
Veja também
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