|
Brás, Bexiga e Barra Funda
| |
António de Alcântara Machado
Edição fac-similar
Segundo caderno, notas, fortuna crítica, bibliografia e posfácio por Antoine Chareyre
com a colaboração de Augusto Massi
320 p. - 14 x 19 cm
ISBN 978-65-5525-257-6
2025
- 1ª edição
António de Alcântara Machado (1901-1935), herdeiro de uma família tradicional de São Paulo, teve uma passagem fulgurante pelo meio intelectual brasileiro. Mesmo com a morte precoce aos 33 anos, foi jornalista, cronista, crítico literário e teatral, historiador, fundador dos periódicos Terra Roxa, Revista de Antropofagia e Revista Nova, deputado federal eleito em 1934 e autor de três livros que são marcos do nosso modernismo: Pathé-Baby (1926), Brás, Bexiga e Barra Funda (1927) e Laranja da China (1928).
Brás, Bexiga e Barra Funda, cujo título remete a três bairros operários da capital paulista, com forte presença de imigrantes italianos, traz onze contos escritos em uma linguagem veloz e precisa, incluindo clássicos como “Gaetaninho”, “Carmela” e “Corinthians (2) vs. Palestra (1)”, além de um prefácio intitulado “Artigo de fundo”. Este texto, espécie de manifesto do autor, aponta as diretrizes de uma nova prosa, acompanhando as revoluções modernistas que haviam ocorrido nas artes plásticas, na música e na poesia.
A presente edição, fac-similar (mas que respeita a ortografia atual), foi organizada pelo editor e crítico francês Antoine Chareyre, também autor do posfácio. O volume inclui notas explicativas aos contos, cinco textos adicionais de Alcântara Machado, bibliografia e uma fortuna crítica que apresenta um verdadeiro achado do organizador: uma resenha de Carlos Drummond de Andrade, inédita em livro, de 1927, assinada com o pseudônimo de Antônio Crispim.
Texto orelha
Após o notável esforço editorial de Cecília de Lara, na década de 1980, parecia impossível que um pesquisador pudesse acrescentar um grão de novidade à recepção crítica de Brás, Bexiga e Barra Funda (1927), de António de Alcântara Machado. Esta obra de vanguarda caiu no ostracismo. Foi preciso que um crítico francês, Antoine Chareyre, reabrisse o canteiro de obras e resgatasse o livro do limbo. Há quinze anos, Antoine Chareyre vem se dedicando ao estudo do nosso modernismo. Ele é pesquisador, tradutor, organizador de edições que trazem ótimas fortunas críticas, bibliografias, prefácios, posfácios e notas criteriosas. Recentemente, visando ter maior controle das traduções, abriu sua própria editora: L’Oncle d’Amérique. Foi o modo que encontrou para não ficar refém da lógica do mercado. A baliza do seu projeto é revisitar escritores que estão à margem: Cocktails, de Luís Aranha, Poemas modernistas, de Sérgio Milliet (ambos em 2010), Parque industrial (2015) e Autobiografia precoce (2019), de Patrícia Galvão. O interesse despertado na França estimulou uma pequena editora brasileira, Linha a Linha, a repor Parque industrial em circulação. Pagu foi a homenageada da Flip em 2023. Mas, Antoine Chareyre manifesta uma fidelidade inquebrantável por António de Alcântara Machado. Após traduzir Pathé-Baby (2013), dedicou-se com afinco a Brás, Bexiga e Barra Funda, escolhido como o primeiro título de sua editora em 2021. O que o leitor tem em mãos é uma versão revista e ampliada da edição francesa. O mesmo equilíbrio crítico que pauta o balanço histórico de seu posfácio está presente na seleção de outros textos do autor que enriquecem o volume, entre eles, destaco “Voltolino”, “Escute, Marinetti” e um trecho do romance inédito, Capitão Bernini. Porém, a maior surpresa encontra-se na fortuna crítica. Como a nossa melhor crítica especializada deixou escapar “Um caso sério”, um artigo inteligentíssimo de Carlos Drummond de Andrade, incógnito sob o surrado pseudônimo de Antônio Crispim? O pesquisador seguiu à risca o paradigma indiciário de Carlo Ginzburg. E essa descoberta indica que é preciso dedicar atenção redobrada aos principais nomes do modernismo. A contribuição de Chareyre reside na retomada de um programa de estudo modernista. Pensar em uma constelação de obras e uma leitura integrativa. Assim, os contos de Brás, Bexiga e Barra Funda representam um ponto de inflexão entre a poesia de Pauliceia desvairada (1922) de Mário de Andrade e o romance Parque industrial (1933), de Pagu. Os três compõem uma linha de montagem. As costureirinhas que passeiam pelo verso livre de Mário — “ítalo-franco-luso-brasílica-saxônica” — cruzam o viaduto da prosa de Antônio de Alcântara Machado e desembarcam nos becos sem saída das fábricas do Parque industrial. Capítulos de um romance coletivo e desmontável da imigração. Mas quando Alcântara — atento à corrente poética que atravessava as ruas da cidade — decide alterar o título inicial, Ítalo-paulistas, e estampa os três bairros operários na capa, desloca sutilmente o eixo interpretativo da obra. Deixa de enfatizar apenas o fenômeno da migração e captura a mobilidade social dentro de um quadro urbano mais complexo: profissões, moradias, casamentos, futebol, meios de transporte, enterros e canções. O modernismo paulista, tão atacado nos recentes balanços críticos, precisa ser relido à luz de uma configuração vincada pela dinâmica industrial. Deste ângulo, a edição fac-similar torna-se um convite ao leitor para que veja nos elementos tipográficos uma técnica de montagem que aproxima Brás, Bexiga e Barra Funda, Serafim Ponte Grande (1933) e Parque industrial. Se o negrito e a caixa alta sugerem um paralelo entre anúncios de casas comerciais e manchetes de jornal, os mesmos recursos gráficos enfatizam que personagens gritam, fábricas apitam, automóveis buzinam. Os bairros erguem suas torres de exclamação: Brás do Brasil. Brás de todo o mundo. A vanguarda torna a instalar fábricas de ruídos e rupturas. Brás, Bexiga e Barra Funda está de volta. Augusto Massi
Sobre o autor
António de Alcântara Machado nasceu em 25 de maio de 1901 em São Paulo, segundo filho de José de Alcântara Machado (autor de Vida e morte do bandeirante, membro da ABL e senador) e Maria Emília Castilho. Fez o primário no Colégio Stafford (1908-1912), o secundário no Colégio São Bento (1913-1918) e formou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, que cursou entre 1919 e 1923. Em 1921 estreia na imprensa, assinando dois artigos, e em 1923 passa a trabalhar como crítico de teatro do Jornal do Comércio (edição de São Paulo). Em 1925 passa uma temporada na Europa, entre março e novembro, e em 1926 publica seu primeiro livro, Pathé-Baby, com as crônicas da viagem. Em 1926 funda a revista Terra Roxa e Outras Terras, e em 1927 publica Brás, Bexiga e Barra Funda, com onze contos focalizando a imigração italiana em São Paulo. Em 1928 lança Laranja da China, seu segundo livro de narrativas curtas, e funda com Oswald de Andrade a Revista de Antropofagia. Em 1929 publica o ensaio historiográfico Anchieta na capitania de São Vicente, que vence o Prêmio da Sociedade Capistrano de Abreu. Viaja novamente à Europa, colaborando com crônicas para os Diários Associados entre 1929 e 1930. Em 1931 funda com Paulo Prado e Mário de Andrade a Revista Nova. Em 1932 torna-se superintendente da Rádio Record durante a Revolução Constitucionalista, e em 1933 publica Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões do padre Joseph de Anchieta, S. J. e passa a escrever o rodapé literário de O Jornal (RJ) e do Diário de São Paulo. Em 1933 torna-se secretário da Bancada Paulista na Assembleia Nacional Constituinte e em 1934 elege-se deputado federal, mesmo ano em que é nomeado diretor do Diário da Noite (RJ). Em 14 de abril de 1935 falece no Rio de Janeiro, aos 33 anos, em decorrência de uma crise de apendicite. Postumamente serão publicados seu romance inacabado Mana Maria, em 1936 (incluindo quatro contos inéditos em livro), e a coletânea de crônicas Cavaquinho e saxofone, em 1940.
Sobre o organizador
Antoine Chareyre, nascido na França em 1980, vive em Paris, onde atua como professor de letras, pesquisador independente em literatura, tradutor do português e do espanhol para o francês, e editor. Seus projetos de tradução e edição crítica são geralmente dedicados a autores e obras das vanguardas latino-americanas e, especialmente, do modernismo brasileiro. No campo brasileiro, lançou Bois Brésil (poésie et manifeste) de Oswald de Andrade (La Différence, 2010), ao mesmo tempo que o ensaio de Haroldo de Campos, Une poétique de la radicalité (Les Presses du Réel, 2010), além das coletâneas Poèmes modernistes et autres écrits (anthologie 1921-1932) de Sérgio Milliet (La Nerthe, 2010) e Cocktails (poèmes choisis) de Luís Aranha (La Nerthe, 2010). Seu interesse pela obra de António de Alcântara Machado teve início com a tradução de Pathé-Baby (Petra, 2013), seguida pela de Brás, Bexiga et Barra Funda (L’Oncle d’Amérique, 2021), livro com que inaugurou uma editora própria. Também estudou a vida e obra de Patrícia Galvão, com edições de Parc industriel (Le Temps des Cerises, 2015) e da “autobiografia precoce” de Pagu com o título Matérialisme & zones érogènes (Le Temps des Cerises, 2019); as notas e o posfácio ao romance chegaram a integrar uma nova edição brasileira de Parque industrial (Linha a Linha, 2018). No campo hispano-americano, traduziu e organizou o volume Stridentisme! (poésie et manifeste, 1921-1927) do mexicano Manuel Maples Arce (Le Temps des Cerises, 2013), e acompanhou, como editor, as edições de Orogénie et autres poèmes français do equatoriano Alfredo Gangotena e Horizon carré et autres poèmes français do chileno Vicente Huidobro, ambas prefaciadas por Émilien Sermier e lançadas pela editora L’Oncle d’Amérique (2025). Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Paulo Prado e o próprio Alcântara Machado são alguns dos muitos escritores que Chareyre segue estudando, com traduções e edições ainda na gaveta.
Veja também
|